Coluna Especial

Os impactos devastadores das enchentes em Muçum: Uma análise sobre as consequências na cidade e no cotidiano das pessoas

Coluna Especial - 03/06/2024 13:09
Foto: Felipe Aldrovandi
Coluna Especial - 03/06/2024 13:0903/06/2024 13:09

Por: Felipe Aldrovandi - Soldado da Brigada Militar desde 2020, lotado no município de Muçum - Sargento Temporário do 6° Batalhão de Engenharia 2011 a 2019 - Bacharel em direito pela Universidade da Região da Campanha - Cursando o 7° semestre licenciatura em História pela Unopar

 

Muçum, é mais do que uma cidade com uma coleção impressionante de pontes, é também um símbolo da engenhosidade humana e da importância da conectividade - carinhosamente conhecida como a "Princesa das Pontes". Este apelido não é apenas uma homenagem às suas impressionantes estruturas, mas também um testemunho da importância histórica e cultural dessas construções para a comunidade local. É neste município que uma via-férrea serpenteia entre campos verdejantes e vilarejos pitorescos, testemunhando uma parte fundamental da história e do desenvolvimento econômico da região. Essa é a Ferrovia do Trigo, uma das mais importantes ferrovias do Brasil, que desempenhou um papel crucial na expansão da agricultura e no transporte de mercadorias na segunda metade do século XX

As enchentes são fenômenos naturais de extrema magnitude que podem ter efeitos devastadores sobre as cidades e sobre a vida das pessoas que nelas habitam. Ao longo dos anos, esses eventos têm se tornado mais frequentes e intensos devido a uma série de fatores, incluindo mudanças climáticas, urbanização desordenada e degradação ambiental. Podemos notar que a natureza possui ciclos; passam-se longos anos e até mesmo gerações para que esse fenômeno volte a ocorrer. Os relatos dos moradores locais são de que nunca haviam visto um volume de água que atingissem tais marcas, até mesmo superando a grande cheia do ano de 1941. O renomado jornalista e escritor, Alexandre Garcia, relata em rádios e  redes sociais que vivenciou as cheias do Rio Taquari quando na adolescência, pois morava na cidade de Estrela/RS. Ele também argumenta que diversos fatores como os já citados anteriormente geraram diversos problemas na época para a população.

Uma grande preocupação foi o dano causado às infraestruturas urbanas e rurais, ruas, pontes e estradas que sofreram danos severos, como ocorreu na RS129 e em outras rodovias da região. Isso gerou grande incerteza na população, pois Muçum ficou praticamente isolado, isso resultou em interrupções no tráfego e dificuldades de locomoção para todos que dependem dessas rotas tão importante para a região, muitos caminhões sem alternativa viável tiveram que ficar estacionados durante vários dias no pátio do posto de combustível que fica na parte alta da cidade. O município de Vespasiano Corrêa, cidade vizinha, empenhou todo seu maquinário e reestabeleceu o trafego de veículos pela conhecida Linha São Luís, limite entre os dois municípios, tornando a via trafegável para que voluntários pudessem acessar o município de Muçum para auxiliar os moradores, que no primeiro momento estavam sem água potável, comida e roupas secas. Este triste evento ocorrido em maio de 2024, deixou marcas significativas para este autor, sendo presenciado um episódio extremamente delicado e atípico: o auxílio no resgate para transporte aéreo de um voluntário que se lesionou gravemente durante o nobre ato de auxiliar na limpeza da cidade. Com muito otimismo e coragem, a vítima saiu de sua cidade a 127 km de distância de Muçum, para dedicar-se no auxílio de tantas famílias que estavam em situação de vulnerabilidade. No campo de futebol da pacata cidade, pousa a aeronave da Marinha do Brasil. Em paralelo, diversos voluntários utilizaram de força braçal para empurrar a ambulância até local próximo do embarque, devido a grande quantidade de barro que as águas haviam trazido consigo. Os militares da Brigada Militar, na tentativa incansável de auxiliar, deslocaram até o Hospital para buscar um item imprescindível nesta missão: o cilindro de oxigênio, que auxiliaria no suporte respiratório – leia-se vital - da vítima até a chegada deste em Hospital de maior complexidade. Apesar da fé e otimismo de todos envolvidos para evolução positiva da vítima, com muito pesar foi noticiado que o mesmo não resistiu e sucumbiu dias após, causando grande comoção entre todos.

Atuando na linha de frente, a segurança pública desempenhou um papel muito importante e com muito esmero nesse período; casas, lojas e empresas se tornaram alvos vulneráveis, pois as pessoas tiveram que sair rapidamente deixando para trás seus bens, nesse sentido a Brigada Militar atuou de forma preventiva no município realizando o patrulhamento ostensivo durante 24 horas por dia para que a população se mantivesse segura. Policiais que trabalharam nesse período, caminharam pelas ruas encharcadas de lodo após a terrível inundação que assolou a cidade, no ar úmido, lembranças dolorosas da calamidade que acabaram de vivenciar. Entre destroços e escombros, o olhar vigilante cortava a escuridão, os policiais não estavam apenas patrulhando em uma cidade afetada pela enchente; eles estavam mergulhando em um cenário que remete aos campos de batalha, onde a linha entre o certo e o errado se dissolve na neblina da incerteza, mas seu dever era mais forte do que o medo e mais resiliente do que a escuridão.

Durante este período, destacou-se a relevância dos voluntários para o nosso município. Muitos indivíduos, inclusive alguns provenientes de outros Estados, mobilizaram recursos próprios para se deslocarem e integrarem o contingente de ajuda humanitária. É manifesto que enfrentaram múltiplos obstáculos para alcançar a linha de frente, um feito que merece realce. Diversos artistas, como o humorista Badin, engajaram-se em campanhas de auxílio às localidades afetadas pelas enchentes. Badin, por exemplo, esteve presente na região de Muçum, provendo alimentação e distribuindo contribuições para os mais necessitados.

Os desalojados encontraram refúgio nos abrigos disponibilizados pelo município, com uma gestão notável por parte da prefeitura na organização desses espaços. Tal iniciativa revela-se crucial, especialmente considerando as baixas temperaturas sazonais, e ainda mais significativa considerando a presença de muitas crianças e idosos necessitados de cuidados, os quais foram providos, em parte, pelos voluntários.

Este cenário também testemunhou os significativos prejuízos econômicos infligidos aos estabelecimentos comerciais. Estoques foram dizimados e propriedades danificadas, acarretando perdas financeiras tanto para empresários quanto para moradores locais. Além disso a queda da atividade econômica regional teve impacto imediato.

A contaminação da água, sobretudo pela leptospirose, emergiu como uma preocupação adicional no contato com a água. Cartilhas informativas estão sendo amplamente difundidas, destacando medidas profiláticas, como a administração de medicamentos, visando a prevenção dessa enfermidade.

O assoreamento do Rio Taquari é uma observação recorrente a cada período chuvoso subsequente, temos a impressão de que o leito do rio já está preenchido de cascalhos não tendo mais a profundidade de antes, a vegetação ribeirinha também foi destruída, plantas que demoraram anos para se desenvolver nas encostas foram arrancadas com a força da água, hoje olhamos para o rio e notamos a destruição desse ecossistema, que com muito trabalho demorará dezenas de anos para retornar a normalidade.

Além dos danos materiais e ambientais, as enchentes acarretam consequências sociais e emocionais profundas. Recordamos com pesar as vítimas, indivíduos queridos que faziam parte da comunidade, mas que foram subitamente vitimados pelas águas durante a inundação de setembro de 2023. A crença inicial dos residentes de que seria apenas mais uma enchente amplificou os traumas psicológicos causados pela perda de entes queridos e de pertences pessoais. Essa situação gera uma incerteza quanto ao futuro, com o temor constante da perda do sustento e das economias acumuladas ao longo de toda uma vida. Neste contexto, destaca-se a necessidade urgente de apoio psicossocial.

Diante da crescente frequência e intensidade das enchentes, é crucial que sejam implementadas medidas de mitigação e adaptação para reduzir seus impactos. Isso inclui investimentos em infraestrutura, planejamento urbano sustentável, gestão integrada de recursos hídricos e ações de conscientização e preparação da população para lidar com eventos extremos.

As enchentes representam uma ameaça séria para a cidade de Muçum e para o bem-estar das pessoas, ocasionando danos materiais, econômicos, ambientais e emocionais consideráveis. É crucial que governos, comunidades e instituições unam esforços para desenvolver estratégias eficazes de prevenção, resposta e recuperação, visando proteger vidas, propriedades e o meio ambiente diante deste desafio em constante crescimento.

Para uma compreensão mais aprofundada da história recomenda-se a leitura do livro Muçum: Princesa das Pontes, de 1988, escrito pelo renomado escritor encantadense Gino Ferri.

A história antiga relata das cheias do Rio Nilo no Antigo Egito, que eram de extrema importância para a civilização egípcia, pois proporcionavam fertilidade às terras por meio do limo depositado durante as inundações. Esse ciclo de inundação e recuo das águas do Nilo permitia o cultivo abundante de alimentos, sustentando a população e possibilitando o florescimento da sociedade egípcia. No entanto, essas cheias também poderiam causar destruição, inundando áreas habitadas e destruindo colheitas, o que exigia uma organização social complexa para lidar com os efeitos adversos; a partir desse olhar as enchentes representam um desafio multifacetado que requer uma abordagem abrangente. O artigo destaca a lacuna entre o conhecimento existente sobre o tema e sua aplicação prática, ressaltando a necessidade de políticas eficazes de gestão ambiental e urbanística. O autor enfatiza a importância de uma visão holística e da colaboração entre diferentes áreas, como ciência, política e prática, para enfrentar esse problema de forma eficaz. A construção de cidades resilientes e a proteção da qualidade de vida dos habitantes emergem como objetivos cruciais nesse contexto.

 

 

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